segunda-feira, 25 de julho de 2011

Lendas da Pipi


Era uma vez uma beata numa aldeia. Essa beata vivia a sua vida de acordo com as beatitudes da vida, confessava-se ao pároco, inteirava-se dos presentes e ausentes da missa, comungava e batia no peito com tanta força quanto a fé lhe permitia sobre as coisas que por bem entendia. Um dia, a beata em casa de uma vizinha, casa que frequentava, ela e outros comunitários, por meio das conversas que por lá se tinham, encontrou um livro de adivinhações. Que abriu e leu. Curiosa, não só o desfolhou como experimentou algumas mezinhas. E sim, reconheceu que alguns dos resultados a estimulavam, a faziam ter outro viço nas coisas habituais do dia a dia. Alterou poções, numas achava que caía melhor funcho, noutras, umas patinhas de rato almiscarado. Mesmo mais tarde, quando o credo falou mais alto e se deixou do caldeirão mágico, ainda assim incitava a vizinha a que fosse mais além, perguntava-lhe se experimentara outras, mais exóticas e até difíceis e a vizinha, anuia e, convencida da panaceia, lá fazia o gosto ao ímpeto da vizinha que já não entrava, apenas se deixava ficar à janela.
Um dia, o padre, e um rigoroso que se regia por livros ainda em latim que ninguém percebia muito bem mas a quem respeitavam o rigor, clamou que na sua paróquia não havia cá lugar a bruxarias, que se acabasse com as heresias e se condenassem as infractoras. Foi um corropio, havia que expiar o bode, alguém tinha de ser sangrado, pelos bons costumes, pois claro. E a vizinha deu de si, que tinha, mas que arrependida estava, tinha pactuado com o demo, culpa da tentação dele, já se sabe, colaborado com o livro maldito mas que se regenerara, que era uma mulher diferente e honrada, que não se lhe acometiam mais defeitos na virtude e que a entendessem, que se prostrava arrependida perante todos como prova da sua integridade. Que sim, que sim, todos a veneravam agora pela coragem, enquanto ateavam uma fogueira e traziam a pérfida sedutora pelos cabelos, arrastada pelas mãos justiceiras que antes a tinham cumprimentado. E já se sabe, melhor que a bruxa é sempre quem a coloca no fogo.